
Capitolina Revista
Olinda Gil
Updated: Apr 2, 2021
POESIA
Às vezes sabe bem
estar sem ti.
descansar um pouco
da tua existência.
Mas só
se te souber bem entregue.
Porque senão o nó,
aquele nó,
não me deixa respirar.
***
Eu era a loba feliz
Queria sair dali a correr
Gritar para o mundo:
Do meu corpo saiu outro corpo
Eu sou a terra e ele é a flor.
Precisava do meu ninho
Para construir o nosso amor.
Eras tão meu como qualquer um dos meus membros.
Hoje tu és eu, a minha vida.
O sentido que a vida antes tinha, perdi-o.
Nem me consigo lembrar do que era.
No dia em que nasceste,
Nasci eu também.
***
Ouço o pulsar dos tambores
Que ecoam em noite de festa
As crianças pedem desejos inocentes,
Os jovens amantes enroscam-se no amor,
As fogueiras ardem até se extinguirem.
A madrugada é fria e branca,
Mas há um calor que vem de dentro,
Que me enamora a mim e aos outros.
Corre vida no meu corpo outra vez.
É essa a minha fogueira,
Que me aquece e arrepia.
MEU FILHO, MINHA MEDITAÇÃO
No silêncio e no escuro
Sinto o corpo teu e respiro calma
Sinto o teu peso nos meus braços
E esqueço que há passado e futuro
Concentro-me no teu corpo e no teu peso
E esqueço que há mundo para além disso
Esqueço até que existo: porque quero.
E naquele momento só existes tu
E eu sou o teu corpo e o teu peso
Encostas a tua cabecinha no meu ombro
E sinto um prazer imenso
Porque tu és a minha meditação
Quero gravar este momento,
Quero fazer este poema
Tenho medo de perder a memória
De ti, bebé, pequeno, meu e único
Tenho medo de não saber viver o momento.
Tenho medo de tudo.
Preciso de voltar a esquecer.
Esquecer que não és meu, que és do mundo
Esquecer que somos dois e que te estou a adormecer
Tenho de voltar a sentir
O teu corpo e o teu peso no meu colo,
Minha meditação
Volto a esquecer que o mundo existe,
E o passado e o futuro.
E voltamos os dois a ser uma estrela no vácuo
E volto a sentir um prazer imenso
Por te ter no meu colo
De cabecinha encostada ao ombro
A adormecer.
Quero dançar
Como se tivesse uma serpente
Dentro do corpo.
Quero dançar
Músicas que vêm
do interior da terra.
Do meu corpo
Vem alegria e força
Que desconheço.
Oculta, uma vida
Se gerou. Na gruta,
A vida se desenvolveu,
Até que deu de si.
E eu senti.
A AUTORA

Olinda Gil é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas e mestre em Ensino do Português e das Línguas Clássicas. Iniciou a sua prática de escrita no "DnJovem", suplemento do "Diário de Notícias". Colaborou em diversas coletâneas e publicações, e foi 3º prémio do concurso literário "Lisboa à Letra" em 2004, na categoria de prosa. Em 2013 editou, a título independente, “Contos Breves”, e “Sudoeste” (Coolbooks, Porto Editora, (2016, 2014 em ebook) e “Sobreviventes” (2017, 2015 em ebook). Escreve no blogue www.olindapgil.blogspot.com