
Capitolina Revista
Marilia Garcia
Updated: Jun 27, 2020
Poesia

Gêmeos irlandeses
a clarice lispector
se parece com a regina
spektor
e o bob dylan
é um tanto
rimbaud
mas
tudo depende
de onde está o olho
de quem vê
marcel duchamp disse que no
nu descendo a escada
o movimento não estava no quadro
mas no olhar do espectador
tanta coisa depende
desta xícara vermelha
esmaltada
sobre a mesa
enquanto digito
uma xícara vermelho-sangue
fumegando de chá
que faz lembrar uma fala que se turva
de vermelho:
uma ‘fala vermelha’ é uma ‘fala tensa’
ismênia para antígona:
aconteceu alguma coisa?,
você tem sangue nos olhos
uma xícara de chá é só.
uma xícara de chá.
mas uma fala
pode ser avermelhada.
e estar cheia de abelhas
um poema pode ser
gêmeo irlandês
de outro poema
por exemplo
você decide escrever
um poema
sobre a ‘cidade das abelhas’
mas se depara com outro
sobre uma ‘caixa
de abelhas’
tanta coisa depende
das abelhas a importância delas
para a vida do planeta
era o que deveria estar
naquele poema que não foi escrito
tudo o que era preciso dizer
sobre abelhas
mas de repente
só é possível
descrever uma caixa vermelha
trancada a sete chaves
que pode estar cheia da abelhas
dentro cheia de abelhas mortas e
vivas.
a teoria do gato de
schrödinger diz que um gato
encerrado em uma caixa
está vivo e morto
ao mesmo tempo
porque não temos como abrir
a caixa para verificar
sem interferir na situação real
do gato.
como naquele poema
do trem que esconde outro
trem, um gêmeo irlandês
pode acabar eclipsando
o outro
tanta coisa depende
de uma caixa vermelha
fechada
contendo abelhas
ou gatos. ou galinhas
brancas.

Marília Garcia nasceu em 1979, no Rio de Janeiro. Publicou os livros20 poemas para o seu walkman (Cosac Naify, 2007), Engano geográfico(7Letras, 2012), Um teste de resistores (7letras, 2014) e Paris não tem centro (7letras, 2015). Em 2018, Marilia venceu o Prêmio Oceanos com o livro Câmera Lenta (Companhia das Letras).