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Coletivo isolado e poliglota


A autora portuguesa Ana Margarida de Carvalho, idealizadora do Bode Inspiratório.

Ana Margarida de Carvalho teve uma ideia. Não que isso seja infrequente, afinal é uma das mais celebradas escritoras portuguesas contemporâneas. A ideia foi a de transformar uma experiência de isolamento em um projeto coletivo. Ao invés de sugerir aos escritores que produzissem um texto cada um, algo que tem sido feito exaustivamente nas redes sociais, Ana Margarida encontrou no folhetim à moda antiga o formato que daria origem ao belíssimo projeto Bode Inspiratório.


Em entrevista exclusiva à autora Nara Vidal, também integrante do projeto, Ana Margarida explica em detalhes a sua iniciativa.


Capitolina Books: Qual foi o momento preciso que pensou ser a hora de lançar ao ar uma ideia de escrita coletiva como o Bode Inspiratório?

Ana Margarida de Carvalho: Foi quando tomei consciência que poderíamos ficar assim, em isolamento social, muito tempo. Estar sozinho é normal e até precioso para um escritor, para se concentrar e se dedicar à sua escrita. Estar sozinho faz parte da natureza do seu trabalho. O escritor é um ser solitário, no seu trabalho. Na vida obviamente que não. Embora exista ainda a ideia romanceada do escritor do século XIX, fechado numa mansarda, tuberculoso, a comer pão de véspera. No meu caso, eu já pratico bastante o isolamento social, mas por opção, não como agora que sou obrigada a isso. E além da parte emocional, de star longe dos meus pais e filhos, custa-me a parte física. Porque como pratico diariamente ginástica e dança, a paragem forçada é dura. Embora, esta dureza é muito relativo. Duro é trabalhar nos hospitais, duro é ter de recolher o lixo dos outros pela cidade, duro é não ter sequer casa... Enfim, pensei neste projecto, como uma ideia de resistência cultural. O vírus é uma ameaça, todos os nossos eventos literários foram cancelados, as livrarias estão fechadas, mas nós escritores continuamos aqui, encontrando canais para nos ligarmos aos nossos leitores. E os artistas plásticos, na mesma situação, também em conexão com o seu público.


CB- Como foi a curadoria dos nomes dos autores? Você convidou todos os participantes ou há um grupo que sugere as participações?


AMC: Foi muito casual. Lancei o desafio por amail e facebook, tendo apenas a preocupação de ser abrangente, procurando escritores de várias idades, gerações, com diversos estilos, de vários géneros, da prosa, poesia, dramaturgia, literatura infantil...


CB: O que já mudou do primeiro texto para cá, em termos de formato e alcance de leitura dos textos?


AMC: A página ainda não parou de crescer em termos de seguidores. E tem gerado um interesse crescente, nos meios de comunicação social, e empresas editoriais e não só... O facto se terem juntado a nós tradutores de inglês. francês e espanhol dá-nos a perspectiva que alcance também os leitores destes idiomas.

CB: É um projeto com data para conclusão, já que o isolamento ainda tem fim específico incerto? Qual a data?


AMC: Apontamos para que o último capítulo saia a 4 de Maio. Mas, talvez prolonguemos ainda durante alguns dias, pois temos coisas em projecto e as traduções vão um pouco mais atrás dos capítulos. 

CB: Incialmente o Bode Inspiratório era um coletivo de autores portugueses. Agora já conta com a participação da língua em versão brasileira. Pretende ampliar a outros países lusófonos?


AMC: Gostaríamos muito. Em termos oficiais já houve um interesse demonstrado pela Direcção Geral dos Livros e das Bibliotecas que se propuseram a fazer a divulgação entre a comunidade lusófona, que, como sabe, está espalhada por todos os continentes, através dos leitorados e do Instituto Camões.

CB: Existe o objetivo de fazer desse exercício um livro? Se sim, como estão os planos de publicação?


AMC: Sim, temos isso em perspectiva. Um dia, quando isto acabar, quando pudermos respirar livremente. E possamos fazer uma grande festa, um grande lançamento, uma grande exposição, uma grande catálogo...

CB: As traduções para o inglês, francês e espanhol são uma excelente ideia. Tradutores como Daniel Hahn, Julia Sanchez, Victor Meadowcroft e Zoe Perry fazem parte do projeto nas traduções para o inglês. O que acredita que tenha chamado a atenção de tradutores tão importantes a participarem da inciativa?

AMC: Primeiro terá sido a intervenção da escritora Gabriela Ruivo Trindade. Depois, o facto de este ser um projecto invulgar. Dificilmente os escritores se unem (juntando artistas plásticos e tradutores) em torno de um projecto comum. Com este folhetim, fica-se com uma amostra do estilo, da personalidade, do tipo de abordagem de cada um dos escritores contemporâneos participantes... Pode ser encarado como uma espécie de catálogo da literatura em língua portuguesa contemporânea.


CB: Como são escolhidos os artistas plásticos? Se algum artista se interessar em colaborar, é possível?


AMC: Não tanto. No caso dos artistas, existe uma lógica de convite, em que a Cristina Terra da Motta faz mesmo um trabalho de curadoria, seleccionando os artistas, também de várias gerações, tendo em conta um equilíbrio entre os muito renomados até aos mais jovens. 

Os textos do projeto "Bode Inspiratório podem ser lidos diariamente na sua página no Facebook.

Um website com informações detalhadas sobre a iniciativa, os escritores e tradutores participantes está em construção e estará disponível em breve.


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