
Capitolina Revista
Adri Aleixo

Rub’al-Khali
A referência de lugar que aparece na tela do meu celular
é de uma região asiática
inabitada
com seu clima quente, desértico
Um espaço, esse conjunto indissociável de sistemas
a que tento me desapegar sem contar o tempo
a vida nivelada por cima
sem ouvir os amantes
respeitar vontades
vislumbrar suas bordas
O aparelho ao alcance da mão
perto do pulso
é como bússola
Observo a cidade demoradamente
é dos lentos
seu entorno
seus esquadros
a cortina de ônibus que intercepta os sons
Escapei há muito do seu totalitarismo racional
posso ver pausadamente os interstícios da paisagem
e contar sem a anuência dos blocos
o olhar dos que se permitiram rasgar-se por dentro.
*****
Algumas coisas nunca lhe trarão uma resposta

Aquele recurso que você interpôs
aquela promessa que fez
a carta que enviou
o concurso que seu editor não o inscreveu
o amigo que não acena de volta no espaço limitado do computador
aquela noite de sexo que você amou
ele, no fim, terminou dizendo que eram lindos seus lábios
macia sua boceta
faz uma semana
você espera e nem uma resposta
*****
Algumas coisas estão sempre no chão
A gata
a ideia do vírus que
prendeu-se ao tênis
jarros de flores para pendurar
Agarrei-me a métodos de não morrer:
espantar a gata para não perder
as flores
limpar o chão para não perder
a gata
cultivar samambaias
como quem cuida da avó
*****
Algumas coisas deixaram o caminho
A floricultura que ligava a casa à escola
como quem liga
a emoção aos poemas de Cecília
Hoje é um aviso:
aqui viveu e trabalhou
por toda uma vida
O Sr. Lima
*****
Rios da Babilônia
(Para Maria Valéria Rezende)
Que não me impeçam os antúrios
eu vou ali acender um humano
e volto
de lá, cantarei meu rio com a harpa
não chores, tu que ficas
o mundo é travessia
deixarei encharcadas suas raízes:
antera, carpelo e sépala
levarei a ideia da casa, o calor da cidade
os móveis dispostos em círculo
feito o rabo da gata ao lado do fogão
A AUTORA

Adri Aleixo publicou Des.caminhos (2014) e Pés (2016), ambos pela editora Patuá. Em 2017, publicou e distribuiu a plaquete Impublicáveis. Em 2019 publicou Das muitas formas de dizer o tempo, com imagens de Lori Figueiró, pela editora Ramalhete. É professora de Linguagens e Mestre em Literatura Brasileira pelo CEFET-MG.
Mais poemas de Adri também estão publicados no Jornal Rascunho, Suplemento Literário de Minas Gerais, Mallarmargens, Literatura Br, revista